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“Andam de mãos dadas.” Qual a relação entre ansiedade e depressão?

5 Fev 2024 - 09:53

“Andam de mãos dadas.” Qual a relação entre ansiedade e depressão?

“Hoje sinto-me deprimido”, “Estou ansioso que este dia passe”, “Que dia deprimente”, “Aquela situação deixou-me ansioso”. Frases como estas são comuns e nem sempre são sinónimo de que estamos perante uma depressão ou uma perturbação de ansiedade

Sentir tristeza e ansiedade em determinados momentos é normal, mas quando estas emoções começam a interferir com a qualidade de vida e a paralisar-nos nas atividades do dia a dia podemos estar perante uma patologia. Mas quais os sinais a que devemos estar atentos? E qual a relação entre a ansiedade e a depressão?

Ansiedade e depressão: qual a relação? 

Quando lhe perguntam o que é a ansiedade e a depressão, a psiquiatra Diana Malheiro Mota prefere começar por “explicar o que não são” para “evidenciar o caráter patológico” e para “não cair em definições demasiado formais” que os pacientes não entendam.

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Nesse sentido, explica que “todos nós já nos sentimos tristes ou ansiosos”, o que pode “criar a ilusão” de que as perturbações depressivas ou ansiosas são “situações banais que qualquer um pode ter e deve conseguir resolver de forma autónoma”.

No entanto, estas patologias são muito mais do que ter “um dia deprimente” ou “estar triste” e carecem da ajuda de profissionais de saúde mental.

“A depressão não é algo da nossa cabeça, um sinal de fraqueza, preguiça ou falta de vontade”, salienta a Ordem dos Psicólogos, num texto informativo, acrescentando que esta doença afeta cerca de 10% dos portugueses.

A ansiedade e depressão andam, na maioria das situações, “de mãos dadas”, refere a psiquiatra consultada pelo Viral, influenciando-se mutuamente e “aumentando a probabilidade de comorbilidade”.

Muitas vezes, existem quadros de ansiedade que, “tolerados durante muito tempo”, condicionam muito a vida da pessoa e aumentam a probabilidade de desenvolver depressão. Ou seja, “uma coisa acaba por levar à outra”, esclarece.

Em declarações ao Viral, o psicólogo Pedro Coutinho – que se dedica à intervenção de ansiedade patológica, perturbações da ansiedade e depressão no adulto – reforça que existe uma “forte relação” entre as duas perturbações, que acontecem, “muitas vezes, em simultâneo” e podem mesmo ter sintomas em comum.

Uma perturbação de ansiedade aumenta o risco de desenvolver depressão e vice-versa, identifica o fundador da Pedro Coutinho Clínica. Isto é, “quase todas as pessoas” que sofrem de depressão “apresentam sintomas ansiosos” e a sua presença “piora” a evolução da doença.

Também a Direção-Geral de Saúde (DGS) reconhece, num texto informativo, que existe relação entre ansiedade e depressão. Uma perturbação de ansiedade “não tratada e prolongada” pode ser complicada por uma perturbação depressiva.

Cerca de metade das pessoas com depressão “podem também sofrer de ataques de pânico ou crises de ansiedade”, indica a mesma entidade.

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O tratamento da ansiedade e da depressão deve ser feito por profissionais de saúde mental, como psiquiatra e psicólogo, sobretudo em situações de maior gravidade, refere Diana Malheiro Mota. O “ideal” é os dois profissionais trabalharem em “equipa”.

Por outro lado, a adoção de hábitos saudáveis podem ser “importantes aliados” no processo, como a prática de exercício físico, a estruturação de horários ao longo do dia, hábitos de sono saudáveis e uma alimentação cuidada, exemplifica a psiquiatra consultada pelo Viral.

O que é uma depressão? E uma perturbação de ansiedade?

Depressão é “muito mais do que estar triste ou desanimado”, afirma Diana Malheiro Mota. No mesmo sentido, Pedro Coutinho sustenta que esta doença é “frequentemente confundida com tristeza” e que é “fundamental” a sua distinção”, uma vez que a depressão é uma das doenças psiquiátricas “mais comuns e a maior causa de suicídio do mundo”.

Enquanto a tristeza é uma emoção “normal, reativa a acontecimentos negativos e, de um modo geral, não interfere muito com a rotina da pessoa”, na depressão existem outros sintomas associados que “causam grande sofrimento e afetam a vida de forma bastante significativa”.

Segundo a Ordem dos Psicólogos na publicação “Vamos falar sobre depressão”, é “natural” sentirmos “grande tristeza ou desespero” em resposta a alguns acontecimentos da vida, mas, na maior parte dos casos, essa tristeza “vai passando à medida que nos adaptamos” e “resolvemos as mudanças”. 

Noutro plano, o fundador da Pedro Coutinho Clínica lembra que a depressão aumenta o risco de outras doenças físicas, como doenças cardíacas, diabetes e dor crónica, e de outras doenças mentais, como as perturbações de ansiedade.

A depressão pode manifestar-se de “diferentes formas” e apresentar “diferentes graus de gravidade”, mas de forma geral, implica uma “acentuada diminuição de interesse em quase todas as áreas”, uma lentidão psicomotora, alterações de concentração, memória e raciocínio e diminuição do desejo sexual.

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Já Diana Malheiro Mota acrescenta que, nos casos de depressão, outros sentimentos (como culpa, irritabilidade, cansaço, isolamento e desesperança) atingem uma “intensidade e frequência” que impedem a pessoa de estar “capaz e funcional”. Pode também haver alterações de sono ou de apetite.

Em situações mais graves, uma pessoa com depressão pode ter pensamentos recorrentes de morte ou de suicídio e, inclusive, levar a cabo planos ou tentativas para pôr fim à vida, assim como comportamentos “autolesivos”, assinala Pedro Coutinho. 

Nestes casos, explica Malheiro Mota, as pessoas pensam que “seria mais fácil morrer” do que suportar “tal nível de sofrimento” e duvidam da sua “utilidade como pessoa” e “propósito da sua existência”.

Os pensamentos de terminar com a própria vida podem ser “difíceis de controlar e ser assustadores”, refere a Ordem dos Psicólogos.

Em relação às perturbações de ansiedade, a assistente hospitalar de psiquiatria esclarece que também não se caracterizam “pelo nervoso miudinho” antes de um teste ou da “sensação de receio” antes de sabermos o resultado de um exame de saúde.

Neste caso, existe um “medo e apreensão desproporcional” à ameaça que o causa, ou pode mesmo surgir “sem ameaça real”.

Já o psicólogo Pedro Coutinho refere que, quando o “mecanismo adaptativo que regula a ansiedade avaria”, esta perturbação pode manifestar-se “em níveis excessivos, sem motivo aparente”, e pode prolongar-se no tempo e causar sofrimento.

Malheiro Mota explica que, como as perturbações de ansiedade “são várias e têm características diferentes”, a preocupação, medo, tensão e pensamento “ruminativo e antecipatório” – muitas vezes acompanhados de sintomas físicos – “invadem o tempo, a vida e as relações”, prejudicando “significativamente” o dia-a-dia do doente e da sua família e amigos.

Sair de casa, ir ao supermercado, andar em transportes públicos, assistir a um concerto ou entrar num centro comercial “deixa de ser possível”, exemplifica.

O psicólogo consultado pelo Viral aponta ainda para sintomas como dificuldades de concentração, insónias, pensamentos negativos e catastróficos e comportamentos de “evitação perante situações que geram ansiedade”.

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As manifestações físicas – dor no peito, batimento cardíaco acelerado, sensação de falta de ar, palpitações, hipersudorese e tremores – também são frequentes, assinala Pedro Coutinho.

Na mesma linha, a DGS assinala que perturbações de ansiedade “não tratadas e prolongadas” podem incapacitar as pessoas de realizar tarefas, de trabalhar e podem levar, por exemplo, ao abuso de álcool.

Pedro Coutinho clarifica que as perturbações de pânico, agorafobia, fobia social, fobia específica e perturbação de ansiedade generalizada são as principais perturbações de ansiedade. 

A perturbação de ansiedade generalizada surge “em qualquer circunstância” em vários aspetos da vida, mesmo quando “não há motivo aparente” que a justifique.

No caso das perturbações/ataques de pânico, a ansiedade manifesta-se de “forma súbita”, com sintomas ansiosos “muito intensos associados a sensação de morte iminente ou de estar a enlouquecer”.

A agorafobia acontece em situações em que a pessoa perceciona que a saída ou pedido de ajuda pode ser difícil, por exemplo, num elevador ou em multidões. 

Já a fobia social ocorre em situações de exposição social ou pública. Em caso de fobia específica, a ansiedade surge perante “determinado objeto, animal, situação ou atividade específica”.

Depressão e ansiedade: quais as causas e os tratamentos? 

Nem sempre se encontra uma “causa” para a depressão, o que pode ser angustiante, diz a psiquiatra Diana Malheiro Mota. 

É uma doença mental “multifatorial” (fatores genéticos, psicológicos, vivenciais, ambientais) e, por isso, é “fundamental” que o tratamento seja “o mais precocemente possível”.

Por outro lado, a ansiedade, por vezes, pode ter uma “causa evidente”, mas, na “maioria das vezes”, resulta de uma combinação de fatores, identifica o psicólogo Pedro Coutinho, como fatores genéticos, ambientais (eventos ‘stressantes’, pressão social, mudanças, preocupações financeiras), traços de personalidade, experiências no passado e ainda desequilíbrios químicos no cérebro. 

“A ansiedade também pode surgir ou intensificar-se devido ao consumo de álcool, café, tabaco, drogas e alguns medicamentos”, afirma o psicólogo consultado pelo Viral.

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Quanto ao tratamento das doenças mentais, a médica psiquiatra Diana Malheiro Mota explica que “deve ser sempre adaptado a cada situação” e de acordo com a gravidade das mesmas.

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A depressão não se trata “sem ajuda médica e/ou psicológica”, destaca, por outro lado, Pedro Coutinho.

Em casos de depressão ligeira, acrescenta, a psicoterapia deve ser a terapêutica de primeira linha. Em casos mais graves, acrescenta Diana Malheiro Mota, a combinação de psicoterapia com farmacologia é “mais rápida e eficaz”.

Em caso de ansiedade, cujas causas também são “multifatoriais”, a psicoterapia e a psicofarmacologia são os tratamentos de “eleição”.

Na mesma linha, Pedro Coutinho refere que os estudos demonstram que a junção do “acompanhamento psicológico com psicofármacos” permite resultados “mais eficazes e duradouros”.

As pessoas devem procurar ajuda de profissionais de saúde mental quando a ansiedade é “tão intensa” que gera sofrimento e, mesmo que em níveis moderados, se “prolonga no tempo” sem motivo aparente que justifique o seu aparecimento.

Em qualquer um dos casos é “fundamental”, diz o psicólogo, que a pessoa procure ajuda “assim que seja possível”. 

Se as perturbações de ansiedade e depressão não forem tratadas, os sintomas vão sendo “progressivamente mais graves, frequentes e intensos” e podem mesmo levar a um “desfecho que nem sempre é o que gostaríamos”.

Em situação de crise, ligue 808 24 24 24 (serviço de aconselhamento psicológico da linha SNS24) e, em caso de emergência, ligue 112 (INEM), recomenda a Ordem dos Psicólogos.

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Saúde mental

5 Fev 2024 - 09:53

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